Título Original: At Eternity's Gate
Países e ano de produção: Estados Unidos, França, 2018
Direção: Julian Schnabel
Roteiro: Jean-Claude Carrière, Julian Schnabel, Louise Kugelberg
Elenco: Willem Dafoe (Vincent van Gogh), Rupert Friend (Theo Van Gogh), Oscar Isaac (Paul Gauguin)
Mads Mikkelsen (Padre), Mathieu Amalric (Dr. Paul Gachet)
Música: Tatyana Lisovskaya
Fotografia: Benoît Delhomme
Montagem: Louise Kugelberg e Julian Schnabel
Design de Produção: Stephane Cressend
Direção de Arte: Loïc Chavanon
Duração: 111 minutos
Julian Schnabel foi animado com um personagem amplamente tratado no cinema. O longa-metragem "Sed de Vivir" ("Lust for Life", 1956) de Vincente Minneli é uma cinebiografia com características bastante clássicas, entretanto, em "Vincent y Theo" (1990), Robert Altman tenta mostrar a suposta relação simbiótica entre os dois irmãos Theo e Vincent Van Gogh, algo que surgiria da correspondência que ambos mantiveram durante a estada do pintor no sul da França, e por fim, "Com amor, Van Gogh" ("Loving Vincent", 2017), uma animação filme de Dorota Koviela e Hugh Welchman, ele homenageia a estética de suas pinturas, embora também lance uma nova luz sobre as circunstâncias de sua morte, pois põe em dúvida a hipótese de suicídio, substituindo-a por outra que apóia a possibilidade de uma morte, um tiro acidental por dois meninos que estavam brincando com uma arma.
Ao manter a câmera do ponto de vista do protagonista, a intenção de Schnabel era fazer o espectador compreender os sentimentos do pintor e sua visão particular do mundo. Julian Schnabel é artista plástico e também cineasta, por isso sua abordagem do assunto é tão valiosa. Ao retratar Van Gogh pintando imagens da natureza ao ar livre, ele destaca os sons do vento e da grama no registro sonoro. A câmera frequentemente se move de close-ups quase expressionistas para planos amplos da vastidão da natureza.
Para alcançar a visão subjetiva de um pintor, cujos sintomas parecem corresponder aos da esquizofrenia - ou pelo menos é o que se deduz do filme - Julian Schnabel e o diretor de fotografia Benoît Delhomme decidiram fazer uso intensivo da câmera subjetiva com todas as suas nuances. Para retirar a estabilidade da imagem, evidenciando assim o desequilíbrio emocional do personagem, optou-se pelo uso recorrente de uma câmera de mão. Lentes grande angulares possibilitavam arredondar e desfocar as bordas da imagem para dar a impressão de irrealidade, um sonho de pesadelo ou o registro distorcido de uma mente psicologicamente instável. Além disso, o diretor de fotografia usou filtros amarelos dourados para mostrar o mundo como Vincent o via e o retratava em suas pinturas.
A obra do pintor holandês é puro pathos. No filme, ele é visto visitando os museus de Paris para apreciar as pinturas de Frans Hals e Diego Velásquez (ambos pertencentes ao movimento barroco), Eugène Delacroix e Théodore Géricault (ambos pertencentes ao romantismo francês). O Barroco e o Romantismo são períodos da história da arte caracterizados por destacar a cor, o contraste de luz e sombra, a forma aberta, a matéria densa, acima das formas perfeitas, equilibradas e fechadas, com uma luz plana e uniforme. escolas racionalistas como o classicismo e o neoclassicismo. Foi pelo caminho do Barroco e do Romantismo que o pintor holandês decidiu percorrer.
Sua rivalidade com Gauguin é outra questão que Schnabel trata sob uma lente muito pessoal. O filme mostra que, embora ambos fossem autodidatas, Gauguin permaneceu de certa forma ligado a uma base mais acadêmica do desenho. Fica a impressão de que a rivalidade entre os dois teve origem no ciúme que o pintor francês sentia pelo talento de seu colega holandês, embora esse ciúme estivesse disfarçado de crítica: a quantidade de material que Vincent aplicava à tela ( "mais parece uma escultura do que uma pintura", destacou), a "negligência" no desenho, o uso obsessivo do amarelo (no final do filme aparece uma letra sobreposta na qual Gauguin explica que preferia o cor vermelha a amarela).
A diferença entre os dois pode ser vista muito bem na cena em que retratam a estalajadeira Madame Ginoux (Emmanuelle Seigner). Gauguin precisa de várias horas para capturar o espírito da figura, faz um esboço preliminar muito detalhado para depois traduzi-lo em óleo, enquanto Vincent precisa apenas de um minuto para reter a figura feminina em sua memória, antes de capturá-la na tela, e sem esboço anterior.
Na minha opinião, os dois tiveram uma forte influência para a pintura moderna, Paul Gauguin foi o principal referente do fauvismo, e Vincent Van Gogh, do expressionismo, e o motivo de suas disputas sempre ficará na sombra.
Os diálogos, muito cuidadosos, não são desperdiçados ou uma palavra fora do lugar. Expressam as dúvidas existenciais do artista, sua indecisão sobre o valor de sua própria obra e sobre a verdadeira função da arte: trata-se de transportar o público para um olhar além do cotidiano? Ou uma maneira de transcender a morte? Nesse sentido, é importante mencionar a conversa que Vincent tem com o padre católico (muito bem interpretado por Mads Mikkelsen) no hospício para doentes mentais em Saint-Rémy de Provence.
Vicente era filho de um pastor protestante, com quem aprendeu a discutir a exegese das Sagradas Escrituras, estabelecida dogmaticamente pela Igreja Católica. No filme, Vicente diz ao padre que Deus lhe deu um dom único, o da expressão pictórica, mas o sofrimento adicional que isso implica, o padre não entende. Ele não entende nem gosta de seu trabalho (na realidade, ele o despreza), ele não entende suas dúvidas e questionamentos. O filme constantemente destaca a solidão de um artista incompreendido, logo marcado como louco e confinado a uma instituição psiquiátrica.
No filme, a ciência médica, a religião institucionalizada e o poder militar são vistos como juízes e carrascos que reprimem a criatividade que o ser humano possui por natureza. Embora Vincent tenha sido criado em uma família protestante, sua visão de Deus se assemelha mais à de Baruch Spinoza. Van Gogh, como Spinoza, encontrou Deus, a ideia de transcendência e eternidade em campos de girassóis e noites estreladas. Deus é aquela luz amarela que impregna suas pinturas.
Schnabel responde de sua própria perspectiva às declarações de outros filmes que tratam do mesmo tema. Ele concorda com "Loving Vincent" que sua morte não foi suicídio, mas o tiro acidental de dois meninos da cidade que estavam brincando com uma arma. Ele discorda de Altman e de sua ideia apresentada em "Vincent e Theo" sobre um vínculo simbiótico entre os irmãos. Schnabel descreve Theo como uma pessoa bastante fria e interessada principalmente nas vendas de sua galeria.
E um detalhe revelador que não apareceu em nenhum dos filmes anteriores: um caderno de esboços foi descoberto em Arles que Vincent desenhou usando uma cana de bambu cortada e tinta à base de plantas, provavelmente para diminuir o custo dos materiais. Esse caderno foi encontrado 126 anos após a morte de seu autor.
Adriana Schmorak Leijnse