Muitos acreditam que a obra de Orson Welles é uma das mais importantes da história do cinema, pois representa um ato de liberdade e criatividade que muitos diretores não tiveram. Bárbara Galway é uma jovem jornalista que, fascinada pela obra do brilhante realizador, decide escrever uma biografia do cineasta. Ele percebe, ao longo da entrevista, que Welles tem duas obsessões: realizar a difícil tarefa de fazer um filme definitivo sobre Dom Quixote, romance que o fascina. A outra é o seu amor pela Espanha que visitou com o pai porque era amigo de Juan Belmonte, daí o seu amor pelas touradas desde muito jovem, que depois continuou a cultivar quando era amigo íntimo de Antonio Ordoñez.
Welles está determinado que Steven Spielberg produza o filme, mas ele lhe dá muito tempo, nesta outra obsessão aninha este livro magnificamente escrito, uma investigação que o renomado e grande estudioso da geração de 27 e Buñuel, está traçando. Refiro-me a Agustín Sánchez Vidal que deixa sua prosa rica e elaborada para que possamos ver, como se fosse uma câmera, o mundo de La Mancha, tudo o que envolve aquele espaço de luz que fascinava Cervantes e obcecava Welles. Como diz Sánchez Vidal ao confrontar Dom Quixote:
“Diferente de tantos livros clássicos, Dom Quixote não é um resíduo arqueológico de mundos já abolidos. É tão vivo quanto seu povo, fatalista e julgador, com suas conversas oblíquas, alistadas em provérbios”.
Diferentes paisagens se alternam no livro, a de La Mancha, que descreve um Sánchez Vidal em estado de graça que lembra e evoca aqueles mouros por onde Quixote e Sancho viajaram: "O talonea rústico procurando impacientemente seu burro", mas também o de Welles mundo, o de Hollywood, o que ele nos conta sobre Rita Hayworth, uma mulher que fracassou por causa dos maus tratos de seu pai e tantos outros que apareceram em sua vida, mas também sobre suas filmagens, sobre os filmes que fez na Espanha, como você pode veja Chimes at Midnight e Mister Arkadin. Há outra paisagem presente, a da imaginação de Welles, sempre ativa, sempre em claro-escuro, onde vivem seres fantasmagóricos que vão de Otelo a Quixote, passando por Mister Arkadin ou Harry Lime de O Terceiro Homem.
Vale a pena notar as cartas que pessoas famosas do cinema espanhol como María Asquerino ou Gil Parrondo enviam a Bárbara Galway, úteis para seu livro. Neles vemos o Welles egocêntrico, raivoso, que trata mal os técnicos, que até pede, de maneira grosseira, para dormir com a famosa atriz espanhola, que o rejeita, provocando a ira do gênio. Aqui vemos um Welles que só viveu por sua grandeza, por seu gênio, por seus filmes. Ele mesmo confessa que a maioria delas foi destruída na montagem, o que o distanciou de Hollywood.
Os mundos se alternam no livro, a entrevista que respira pouco a pouco, onde vemos o verdadeiro Welles, o universo de Dom Quixote e La Mancha, que Sánchez Vidal traça pouco a pouco em magníficas descrições, mas também aquele amor pela Espanha, que está presente em todo o livro.
Resta-me aquela imagem de Ronda que Sánchez Vidal transmite, a cidade pela qual o realizador se apaixonou e que o levou a escolhê-la para o seu descanso final:
“E, acima de tudo, Ronda. A cidade mágica e egocêntrica, a mais bela que seus olhos viram”.
No livro há ricas informações sobre todo o cinema de Welles, mas o maior feito é essa forma de traçar paralelos entre o mundo que ele imagina, o projetado por La Mancha e o produzido pelo cinema.
Acredito que o principal objetivo de Sánchez Vidal seja traçar uma linha onde Quixote e Welles sejam a mesma pessoa, ambos buscam uma quimera, um desejo que está além do que é alcançável. É aí que o livro triunfa, entre o personagem real (Welles) e o imaginário (Don Quixote) há uma mímica que envolve tudo.
Grande esforço foi feito pelo grande pesquisador aragonês para capturar tantos mundos paralelos, ao ler este Quixote-Welles (editado com grande elegância pela editora Fórcola com uma fotografia de capa onde Orson Welles e Akim Tamiroff aparecem no set do filme ) vemos dois grandes que buscam a mesma coisa: transcender o que acreditam, realizar seus sonhos, do mundo da cavalaria ao mundo do cinema há um passo neste livro. Um grande desafio que Sánchez Vidal alcançou. Um livro necessário para conhecer melhor Welles e ver nele o Quixote que sempre foi.

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